Conheça o empreendedor especializado em construir sonhos
No comecinho dos anos 70, Marcio Calvão era um jovem engenheiro casado com uma arquiteta e atriz, Jeanete, que se preparava para estrear nos palcos numa peça infantil. Cabeludo e com uma câmera na mão, ele acompanhava os ensaios fotografando o elenco em sua preparação. Até que no dia da estreia de “Faça do coelho rei”, com o Teatro João Caetano lotado, um dos atores pirou. Tirou a roupa e disse que não ia entrar em cena.
A solução encontrada pela direção foi colocar Marcio para interpretar o personagem, um cachorro. Mesmo sem saber as falas, subiu ao palco, lugar onde o lado cartesiano do engenheiro se encontrou em definitivo com a veia artística que já pulsava forte no rapaz. Essa mistura improvável moldaria a personalidade de Marcio Calvão, um empreendedor de sonhos aparentemente muito diferentes entre si, como a fundação do Circo Voador, a revitalização de áreas degradadas, entre elas o Recife Antigo, o desenvolvimento sustentável da comunidade indígena ashaninka e a valorização do bairro de Santa Teresa como patrimônio carioca.
Depois da estreia no João Caetano, ele continuou com a carreira de ator e também com a de engenheiro. Chegou a trabalhar em peças de Amir Haddad.
— O teatro me transformou. Entendendo os personagens, pude criar várias personas. Hoje tenho uma série de personagens, e vivo esses personagens a cada situação, a cada momento, em decorrência desse entendimento da realidade e do eu, de como posso interferir na realidade para transformá-la em algo melhor — diz ele, durante conversa num casarão que construiu no Largo das Neves, em Santa Teresa, palco de festas memoráveis e que serve de espaço para um dos seus projetos: o Coletivo de Empreendedores Urbanos (CEU), formado por empresas do ramo criativo.
Amizade desfeita
Essa ideia de coletivo, Marcio, de 66 anos, pai de quatro filhos, entre 6 e 37, traz de uma época em que a palavra estava longe de cair na moda. Ele lembra que o Circo nasceu depois que foi procurado por Perfeito Fortuna, seu amigo então (há tempos não mais), para ajudar a dar uma solução à falta de espaço para os espetáculos dos grupos de artistas formados a partir do Asdrúbal Trouxe o Trombone. Veio o estalo: “Vamos montar um circo, cara!”. Marcio diz que o insight foi dele, inclusive o plano de erguê-lo na Praça Nossa Senhora da Paz, como pensado inicialmente. Procurado, Perfeito não quis falar sobre Calvão. Mauricio Sette, que também era do grupo, já faleceu. As controvérsias sobre esse nascimento seguem até hoje.
O Circo acabou pousando no verão de 82 no Arpoador. Foi levado pelo rapa e ressurgiu na Lapa. Nesse momento, sob a liderança de Perfeito Fortuna, a Fundição Progresso foi salva da demolição, e Marcio já cultivava o plano de criar um centro cultural. Ele cuidava das finanças e da parte operacional do Circo.
— Eu tinha saído da Rádio Cidade e fui visitar o escritório do Circo. O Marcio falou: “Você podia fazer um projeto de rock”. E eu: “Quero”. Voltamos uns dias depois, e criamos o Rock Voador — lembra Maria Juçá, diretora do Circo, classificando Marcio como uma pessoa inquieta, sempre em busca de grandes desafios, e um grande empresário. — Marcio é um louco, mas que não usava droga nenhuma.
Antes de deixar a lona, Marcio rodou estradas do país, do Rio ao Nordeste, com o projeto Circo Voador Brasil. Era gente do naipe de Cazuza que embarcou naquela viagem com paradas em São Luís, Fortaleza e Recife. Nesse tempo, surgiu a chance de levar o Circo para o México, projeto que ficou com Perfeito. Aí começava a separação dos dois, segundo conta. Quando assumiu a Fundição (onde ficou de 1988 a 1998), num projeto de fazer do espaço um “shopping cultural”, que não incluía Perfeito, a amizade foi para o brejo de vez.
— Foi um projeto que deu origem a todas as ideias de centros culturais com visão de comércio da cultura — diz ele, que não conseguiu colocar o plano em prática e passou a carregar a culpa por erros administrativos na condução da Fundição, hoje, ironicamente, sob a batuta de Perfeito, também inimigo de Maria Juçá.
Mas a história do engenheiro-ator-empresário não se limita ao Circo e à Fundição. Um campo em que teve forte atuação foi o de revitalização de espaços. Em 1994, foi parar em Pernambuco, onde fez parte do time que atuou na transformação do Recife Antigo. A partir desse projeto, trabalhou em mais de 80 cidades no Brasil. Foi sócio da empresa Agência 21, origem da Rever Urbano, que dirige com a atual mulher (ele está no quinto casamento), Fernanda Delmonte, arquiteta e urbanista, numa das salas do casarão de Santa Teresa. Um dos últimos trabalhos na área do urbanismo foi numa praça no Centro de Itaguaí, remodelada.
Maior atenção do poder público
Sua cabeça hoje está entre Santa Teresa e o Alto Juruá (Acre). Por meio da AME Santa, uma associação de gente de gastronomia, turismo e cultura, tenta afirmar o bairro como uma área diferente do resto da cidade, que precisa de atenção especial do poder público:
— Santa Teresa é um bairro especial pelo modo de vida, pela população diferenciada. Mas não foi reconhecido ainda pelo poder público como patrimônio — diz ele, que abrirá o CEU entre 8 e 16 deste mês, dentro do projeto Santa Teresa de Portas Abertas.
Estarão lá os índios ashaninka, povo originário dos Incas, e seu artesanato. Marcio integra hoje um projeto para o BNDES de ajuda a lideranças daquela comunidade, para valorização das suas tradições, manutenção da floresta e desenvolvimento sustentável.
Eterno descontente com o presente e um otimista, ele vê no mundo hoje um processo de mudança total de paradigma, em que a tecnologia se conectará a culturas ligadas à terra, estabelecendo novos valores, de uma vida mais simples, para o restante da sociedade.
— Está tudo em crise, e estamos indo para um mundo muito melhor. Nasci para ajudar e ser parceiro de pessoas e grupos criativos que querem mudar o mundo. Isso é o que me move.
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